Introdução
Muitas pessoas acreditam que eliminar totalmente o açúcar da alimentação pode curar o câncer. Essa ideia circula bastante, principalmente nas redes sociais, e, embora tenha um fundo de verdade (que as células cancerígenas usam glicose), a interpretação extrema leva a conclusões enganosas e potencialmente prejudiciais.
1. Todas as células usam glicose, não só as cancerígenas
Todas as nossas células dependem da glicose (que é uma forma de açúcar no sangue) para gerar energia.
Células cancerígenas costumam metabolizar glicose de maneira mais acelerada, fenômeno estudado como “efeito Warburg”. Mas isso não significa que se você parar de comer açúcar, as células cancerígenas deixem de ter energia — elas buscarão outras fontes.
2. Mitos vs. evidências: o que as pesquisas mostram
Não há evidência de que dietas sem açúcar (ou com cortes muito extremos de carboidratos) provoquem remissão ou curem o câncer.
Cortar muito o açúcar, especialmente aquele de frutas ou carboidratos naturais, pode causar malnutrição, perda de massa corporal ou enfraquecimento geral — condições que prejudicam a recuperação ou a tolerância ao tratamento.
O açúcar em excesso, especialmente o refinado e presente em alimentos ultraprocessados, está associado a ganho de peso, resistência à insulina, inflamação crônica — fatores que aumentam o risco de desenvolver vários tipos de câncer ou complicar doenças já existentes.
3. O açúcar refinado e ultraprocessado: quando ele prejudica
Açúcares adicionados e refinados têm calorias “vazias”, ou seja, fornecem energia, mas quase nenhum micronutriente útil (vitaminas, minerais, fibras etc.).
Alimentos ultraprocessados frequentemente contêm gorduras ruins, altos picos de glicose no sangue, aditivos, baixa saciedade — tudo isso contribui para sobrecarga metabólica.
O acúmulo de peso corporal e obesidade são fatores de risco bem estabelecidos para vários tipos de câncer. Portanto, reduzir açúcares adicionados ajuda a manter um peso saudável, o que sim faz diferença.
4. Alimentação nutritiva e equilíbrio são essenciais
Priorizar frutas, vegetais, grãos integrais, proteínas de boa qualidade, gorduras saudáveis ajuda o corpo a ter os nutrientes necessários para suportar tratamentos, manter defesa imunológica, preservar força e saúde geral.
Em muitos casos, durante tratamentos (quimioterapia, radioterapia etc.), a pessoa já sofre com perda de apetite, alterações de paladar, fadiga — cortar alimentos nutritivos ou grupos inteiros pode piorar esses efeitos.
Moderação é a chave: não se trata de evitar todo açúcar, mas sim de cortar o que é supérfluo ou nocivo (o que é refinado, processado, adicionado em excesso) e manter os açúcares naturais de alimentos integrais.
5. Por que esse mito é perigoso
Pode gerar culpa ou ansiedade desnecessária em quem está doente, por acreditar que “se eu apenas eliminasse o açúcar, eu estaria fazendo tudo certo”.
Pode levar a dietas muito restritivas, com perda de peso indesejada, desnutrição, deficiências nutricionais.
Pode fazer com que se abandone tratamentos médicos ou se aposte em “soluções alternativas” que não têm comprovação.
Pode tornar mais difícil suportar os tratamentos, já que eles exigem que o corpo esteja o mais forte possível.
Conclusão
Eliminar completamente o açúcar não cura o câncer. Mas reduzir o consumo de açúcar refinado e ultraprocessado, manter uma alimentação equilibrada, rica em alimentos de verdade, pode sim ajudar: a prevenir, a melhorar a qualidade de vida, a fortalecer o corpo, a evitar ganho de peso excessivo, e a evitar complicações. A palavra de ordem é moderação + boa nutrição.
Por Socorro Coêlho, nutricionista oncológica