Devido ao acelerado crescimento da população idosa e ao progressivo aumento da incidência de câncer com o envelhecimento, o tratamento de pacientes idosos com esta enfermidade, tornou-se um importante problema de saúde pública1. A ocorrência de tumores na população com idade igual ou maior a 65 anos tem aumentado consideravelmente em comparação com os adultos mais jovens2. A idade média de diagnóstico de doença oncológica é de 66 anos e 70% da mortalidade por câncer ocorre em pessoas com mais de 65 anos3,4.

Com o avanço da idade é maior a chance de surgimento da carcinogênese, pois há uma suscetibilidade aumentada dos tecidos envelhecidos aos agentes cancerígenos2. Múltiplos fatores pró-inflamatórios como prostaglandina E2, interleucina (IL) -6, IL-1, fator de necrose tumoral (TNF-α), ligante do TNF e interferon γ são produzidos durante o processo carcinogênico e expressam ações catabólicas por meio dos receptores específicos nos tecidos muscular e adiposo, caracterizando a desnutrição associada ao câncer5.

A desnutrição é mais prevalente em pacientes idosos com câncer que em pacientes jovens, variando entre 25% a 85%, uma vez que o processo de envelhecimento está associado às várias alterações fisiológicas, que podem ter implicações no estado nutricional1,6.

Identificar os fatores de risco para prejuízos nutricionais permitirá intervenções, que podem melhorar o tratamento, tolerância, qualidade de vida e resultados de sobrevivência7. Dentre os principais fatores relacionados com a desnutrição, destacam-se fatores psicossociais, socioeconômicos, vulnerabilidade do idoso, alterações cognitivas, polifarmácia, quedas, incontinência e outras síndromes geriátricas8. A localização do tumor tem forte influência na mortalidade, uma vez que 50% de mortes associadas à desnutrição incluem os cânceres pancreático, esofágico, gástrico, pulmonar, hepático e colorretal2.

Alterações metabólicas, disfagia, caquexia, efeitos colaterais de toxicidade aguda das terapias anticâncer (anorexia, náusea e vômito) podem exacerbar a deterioração nutricional9 levando a maior morbidade e mortalidade, baixa qualidade de vida, do estado funcional e da tolerância ao tratamento, mau prognóstico, aumento de infecções pós-cirúrgicas, tempo prolongado de internação e maior readmissão. Pacientes desnutridos são 2,53 vezes mais propensos a ter depressão e 3,82 vezes mais probabilidade de serem frágeis7.

Algumas pesquisas têm identificado os fatores relacionados à desnutrição em idosos. No estudo transversal e multicêntrico de Pinho et al., em 45 hospitais públicos no Brasil, 55% dos participantes com idade ≥65 anos tinham desnutrição moderada e grave sendo inapetência (OR, 1,90; IC 95%, 1,62-2,22; P <0,05) e xerostomia (OR, 1,40; IC 95%, 1,1-1,67; P <0,05) os principais fatores associados à desnutrição10.

Na coorte multicêntrica hospitalar conduzida por Nivaldo Barroso de Pinho com 3061 pacientes idosos com câncer verificou-se que 33,4% dos pacientes estavam desnutridos e 39,3% estavam em risco de desnutrição. Os autores constataram que o tempo de internação hospitalar (em dias) foi maior nos pacientes com pior estado nutricional (desnutridos: 7,07 ± 7,58; com risco: 5,45 ± 10,73; eutrofia: 3,9 ± 5,84; p <0,001)3,6.

Diante disto, a triagem e a avaliação nutricional devem ser realizadas imediatamente após a hospitalização (até 48 h da internação) para permitir diagnóstico e intervenção multi/interdisciplinar precoce10,11, sendo a Avaliação Subjetiva Global Produzida pelo Próprio Paciente (ASG-PPP) e a Mini Avaliação Nutricional (MAN) as  ferramentas mais indicadas para a população idosa e oncológica durante a admissão hospitalar12.

Para confirmar o déficit nutricional do idoso durante a internação ou atendimento ambulatorial, recomenda-se o uso da ASG-PPP ou da MAN versão reduzida além de  uma anamnese nutricional detalhada, dados clínicos, exame físico, história alimentar, exames laboratoriais  e parâmetros antropométricos (índice de massa corporal, dobra cutânea tricipital e os perímetros da panturrilha, do braço e muscular do braço ) utilizando-se fórmulas preditivas quando não for possível o uso de medições. Associada à essas medidas, preconiza-se a utilização do percentual de perda de peso (%PP), importante marcador de risco nutricional ou desnutrição, para auxiliar na identificação da efetividade e encaminhamento das intervenções nutricionais11,12.

Mesmo com a conscientização sobre a associação de desnutrição e piores desfechos clínicos, os pacientes nem sempre recebem intervenção nutricional ideal. Algumas estratégias incentivadas são: 1) Garantir o ajuste adequado das próteses para melhorar função mastigatória e ingestão oral e facilitar o prazer de comer; 2) Assegurar aporte energético e proteico adequados; 2) Atender às recomendações hídricas, de vitaminas e de minerais; 3) Evitar jejuns prolongados e desnecessários para procedimentos; 4) Quando a ingestão oral de alimentos é inadequada, suplementos nutricionais orais são uma alternativa; 5) Para aqueles que não conseguem tolerar a ingestão oral e atendem aos critérios para alimentação por sonda ou nutrição parenteral total (NPT), essas intervenções precisam ser iniciadas o mais rápido possível; 6)Para pacientes em cuidados ao fim de vida, prescrições nutricionais devem se concentrar no conforto e qualidade de vida7,8,12,13.

O cuidado nutricional ao paciente idoso com câncer deve basear-se na sua capacidade funcional, cognitiva, nutricional e socioeconômica, entre outras, e ter como objetivo manter ou recuperar o estado nutricional, melhorar o sistema imunológico, minimizar os efeitos colaterais do tratamento, assim como promover qualidade de vida.

 

Autora:

Celia Cristina Diogo Ferreira

Atuação como Especialista em Nutrição Oncológica pela SBNO em Cabo Frio e Macaé / Rio de Janeiro

 

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https://sbno.com.br/alimentos-e-o-cancer-estao-correlacionados-2/

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